
Muitos times em empresas de serviços profissionais lutam com o cumprimento dos tempos de entrega de suas demandas. Estima-se que 80 a 90% dos times no Brasil e no mundo sofram de problemas tais como:
- Clientes frustrados ou infelizes com os tempos de entrega
- Tempos de entrega altos frente aos propósitos de negócio
- Muita variabilidade nesses tempos de entrega
- Frustrações gerenciais por não conseguir atacar esse problema.
Nesse sentido, apresento aqui cinco técnicas inesperadas que podem lhe ajudar, como líder ou colaborador do seu time, a atacar de frente esse problema.
Use a Via Negativa
Reza uma lenda que o Papa Júlio II perguntou a Michelangelo qual era o segredo da sua enorme habilidade ao contemplar a estátua de David. A resposta do escultor foi:
“É simples. Tudo o que eu tive que fazer foi remover o que não era o David da pedra bruta.”
Já os hackers da saúde sabem há muito tempo que remover agressores do seu organismo é muito mais efetivo que criar dietas esotéricas, procedimentos invasivos ou tomar remédios como se fosse bala chita. Você remove o agressor, como por exemplo comer 50 quilos de açúcar por ano (a média do Brasileiro), e o seu corpo se reequilibra naturalmente depois de alguns meses.
A via negativa trabalha na remoção das fragilidades, ao invés de tentar adicionar novas técnicas, práticas ou frameworks ao seu modo de trabalho.
O mesmo vale para o tempo de entrega. A grande maioria das pessoas pensa, ao lidar com demandas, que devemos fazer que as pessoas trabalhem mais rápido ao realizar as suas tarefas. Mas o problema do tempo de entrega não está no tempo de trabalho de uma demanda. Está no tempo que a demanda não é trabalhada. Troy Mageniss, Alexei Zheglov e David Anderson, por exemplo, já nos mostraram em seus estudos que a maior parte do tempo de entrega de demandas é gasta com:
- Repasses do trabalho entre áreas
- Impedimentos
- Defeitos
- Retrabalhos
- Dependências por outros times na sua organização
- Dependências por fornecedores externos
- Espera em filas
Outro monstro sagrado da área de produtividade, Donald Reinertsen, sugere através de suas pesquisas que a eficiência de fluxo na maioria dos times de produtos é entre 5 a 15%. Ou seja, 85% do tempo a demanda não está sendo trabalhada. Ela está esperando.
Compartilho meus dois centavos aqui da minha experiência pessoal de implantação de agilidade como consultor nos últimos 12 anos. Nunca medi uma eficiência de fluxo acima de 30% em nenhuma organização que já tive contato.
Ou seja, se você quiser melhorar o tempo de entrega do seu trabalho, não ataque o trabalho. Ataque o não-trabalho. Ataque os fatores que irão formar filas, socialize acordos de gestão de dependências e reserva de capacidade que irão reduzir as dependências internas e externas. Socialize também políticas que reduzam defeitos e retrabalhos.
O Aumento da Consistência é um Caminho Indireto para Reduzir o Tempo de Entrega
Você conhece duas pizzarias. A primeira tem um tempo de entrega médio de 15 minutos. A segunda tem um tempo de entrega médio de 30 minutos. Onde você escolhe a sua pizza se você quer comer mais rápido?
A resposta, apressada e ingênua, é a primeira pizzaria. Mas você pode estar terrivelmente enganado e vai ficar com fome mais tempo.
A resposta mais precisa requer entender como é a variabilidade no tempo de entrega da sua pizzarias. Vamos assumir que a primeira pizzaria tem tempos de entrega que variam entre 10 e 90 minutos com um percentil p90 de 60 minutos. Já a segunda pizzaria tem tempos de entrega que variam entre 20 a 55 minutos, com um percentil p90 de 45 minutos. A escolha segura é a segunda pizzaria.
Quando você gerencia um sistema de trabalho, devemos reconhecer o tempo de entrega não é um número, mas uma distribuição estatística. Um exemplo simples pode ser visto aqui nesse artigo que fiz sobre como interpretar um histograma de tempo de entrega.

Reconhecer isso nos revela que melhorar a consistência é um caminho indireto para melhorar o tempo de entrega.
Se você cria consciência para o tempo de envelhecimento das suas demandas, você cria ações que vão evitar que tenhamos amostras muito à direita no seu histograma. Isso irá criar dois efeitos:
- Reduzir o efeito de caudas longas. Eventualmente, você pode mover a sua distribuição de tempo de entrega para uma distribuição de cauda curta.
- Mover a mediana e percentis do tempo de entrega para à esquerda. Isso te torna mais rápido.
Ou seja, busque melhorar a sua consistência no trabalho diário. Ataque ativamente as fontes de variabilidade e use a via negativa. Ao se tornar mais consistente, você irá se tornar mais rápido.
Use o argumento de Amdahl para Reduzir as Crenças em Balas de Prata e Heróis
O Argumento de Amdahl é usado para encontrar a máxima melhoria esperada para um sistema em geral quando apenas uma única parte dele é melhorada.
Uma forma simples de entender essa lei é pensar que você está em um carro super possante (vamos sonhar, uma Bugatti Chiron que acelera de 0 a 100 km/h em 2.4 segundos). Mas você está no meio de uma avenida engarrafada, com sinais de trânsito a cada 100 metros. Um carro possante não é muito útil aqui, certo?
O argumento de Amdhal pode ser expresso matematicamente da seguinte forma.

- s= melhoria introduzida em uma parte do sistema, e
- p= proporção do tempo que essa parte do sistema pode ser usada
Em termos simples. Você contrata um novo líder técnico para o seu time que consegue dobrar a produtividade do seu núcleo de desenvolvimento. Uma impressionamente melhoria local de 100%. Mas o tempo de ciclo do desenvolvimento é responsável por 20% do seu tempo total de entrega. Ao calcular a melhoria esperada no seu sistema de trabalho, você vai observar que a melhoria global não será maior que 11%.
O grande Frederik Brooks, no seu clássico artigo No Silver Bullet – Essence and Accident in Software Engineering nos avisa que não existe um desenvolvimento, seja tecnológico ou gerencial, que em si mesmo possa prometer melhorias de dez vezes na produtividade, confiabilidade ou simplicidade de um sistema de trabalho.
A lição aqui é clara. Não superestime as suas intervenções gerenciais. Nenhuma intervenção pontual irá criar uma bala de prata que irá matar os seus lobisomens. Melhorias serão sempre incrementais.
Embora incrementais, os seus efeitos podem ser multiplicativos.
Incorpore Sistemas Multiplicativos no Seu Dia a Dia
A General Motors, fundada no começo do século, chegou a dominar o mercado automotivo americano com 50% de participação de mercado por meio de uma série de inovações brilhantes e práticas de gestão no século XX. Por muitos anos ela foi a corporação dominante e mais admirável nos EUA. Mas os acionistas originais da GM terminaram com um zero em 2008 quando a empresa entrou em falência devido a anos de má administração financeira. Ela foi fragilizada pela famosa crise financeira daquele ano. Não importava que eles tivessem várias gerações de liderança: tudo isso se torna nada em um sistema multiplicativo.
Você aprendeu na terceira série do ensino fundamental que multiplicar algo por zero torna o todo zero. Mas poucos gerentes param para avaliar o efeito das restrições em seus sistemas de trabalho. Identificar as restrições é essencial. Por exemplo, a vazão de um sistema de trabalho é limitada pelo ponto mais frágil no fluxo de trabalho.
Se você não implementar ações que vão (1) proteger o gargalo; (2) submeter as decisões do sistema ao gargalo ou (3) elevar o gargalo, você pode sub-otimizar o seu trabalho e ter um resultado composto pífio.
Tudo isso remete à consistência novamente. Consistência é essencial para estabelecer robustez e resultados sólidos ao longo do tempo.
Sistemas Kanban, por exemplo, usam limites de WIP sobre o fluxo de trabalho para estabelecer consistência, entregas previsíveis, evitar a formação de fila, aumentar a eficiência de fluxo (via negativa) e fazer bom uso dos sistemas multiplicativos.
Remover a Obsessão em Times e Squads e Evoluir para o foco em Serviços
O mercado Brasileiro de agilidade colocou o conceito de times no centro do seu sistema solar. E a cópia do modelo de time da Spotify virou um conceito popular nas mesas de diretores de TI. Mas o conceito de time é limitante, como já mostra o modelo de maturidade KMM. Foco em time te leva a maturidade 1 (em uma escala de 0 a 6). E lá você irá permanecer.
Deixo aqui um exemplo simples de um trabalho provavelmente muito menos intelectual do que aquele que você, leitor, está fazendo hoje. Quando você pede uma pizza no seu local favorito, pelo menos os seguintes times precisam ser envolvidos para a pizza chegar plena na sua casa:
- A equipe de expedição de entrada e saída da pizzaria
- Os pizzaiolos e outros cozinheiros
- A rede de entregadores
- O time de TI que suporta a plataforma que você usou no seu App de compras.
- A rede de fornecedores que entregam ingredientes e insumos para a sua pizzaria.
No mundo dos serviços profissionais é ainda pior. Já observei casos onde o trabalho de um time dependia de mais 10 times. Isto é, cada demanda dependia de dez times para que a “pizza” chegasse na mesa dos clientes. E, ainda assim, o foco em time leva a comportamentos auto-centrados e métricas de vaidade tais como:
- Numero de pontos entregues na sprint
- % de Acerto do Trabalho Planejado versus Realizado
Observe que não estou dizendo que focar em times é ruim. Quando a maturidade da sua área é zero, frameworks como o Scrum ou o modelo de Squads podem te levar muito rapidamente à maturidade 1. O foco em times é aqui bem saudável e pode promover maior colaboração social e senso de propósito local. Mas acreditar que isso é o fim da jornada é ingênuo e perigoso e é conhecido hoje em vários círculos como o Kanban e o Flight Levels como um platô de mediocridade.
O KMM nos ensina que o foco em serviços, que coloca o cliente no centro do jogo, é uma abordagem superior para você atingir maior maturidade do seu processo de agilidade e reduzir os tempos de entrega. Como boa parte do tempo de vida de uma demanda está nos repasses, impedimentos e dependências, uma visão integrada do serviço incentiva que exista feedback e colaboração entre times.
Em termos simples, o que estou dizendo aqui é que não é suficiente você ter uma cozinha com pizzaiolos com estrela Michelin no currículo e uma rede de entregadores formadas por motociclistas profissionais. Se o produto fica quinze minutos parado entre a cozinha e a rede de entregas, a seu pizza vai chegar fria e borrachuda na sua casa.
O genial Russel Ackoff, pensador seminal do campo do pensamento sistêmico, nos lembra.
“Para gerenciar um sistema de forma eficaz, você deve se concentrar nas interações entre as partes, em vez do comportamento das parte em separado.”
Resumo
Aplique a Via Negativa aos seus processos de agilidade. Lembre-se que o conhecimento cresce mais por subtração do que por acréscimo. No caso do tempo de entrega, ataque o tempo que o trabalho está esperando, muito mais o tempo que o trabalho está sendo trabalhado.
Entenda que a busca pela consistência é uma poderosa arma para achatar as caudas do seu histograma de tempo de ciclo e o efeito colateral de primeira ordem é reduzir as médias e percentis e portanto reduzir o tempo de entrega percebido pelos seus clientes.
Se lembre do Argumento de Amdahl para limitar as suas crenças em balas de prata. Lembre-se que as mudanças serão incrementais. Mas os efeitos podem ser multiplicativos se realizados ao longo de meses ou anos.
E. finalmente, entenda que existem grandes oportunidades de melhorias nas interações dos times. Promover a produtividade relacional pode ser de benefício enorme na redução dos seus tempos de entrega.