Muitos times no Brasil tem experimentado o uso de princípios e práticas ágeis no seu trabalho de desenvolvimento de projetos e operação continuada. Entretanto, nem sempre os efeitos originalmente buscados em termos de eficiência de tempo e qualidade são alcançados. Para os mais céticos, isso cria uma “prova” que não funcionam na realidade única e particular de suas empresas. Se o ceticismo alcança a camada gerencial, isso pode significar a morte de iniciativas ágeis, que se tornam para sempre amaldiçoadas como apenas mais um modismo de consultores.
Pessoas que se debruçaram seriamente sobre a dinâmicas de times e projetos em empresas já perceberam que a dinâmica tradicional baseada em hierarquias rígidas, comando e controle, comunicação através de papel e aceitação de defeitos e desperdícios é ineficiente. Taiichi Ohno foi uma dessas pessoas e o resultado do seu sistema alternativo de pensamento pode ser observado no desempenho superior da Toyota através do sua filosofia Toyota Way, conhecido no ocidente como pensamento Lean há quase 50 anos. Kent Beck, Jeff Sutherland, Allistair Cockburn, Craig Larman, Mary Poppendick, entre outros, tem evidenciado há mais de 20 anos que métodos ágeis funcionam em organizações dos mais diversos tamanhos, setores e propósitos.
Para evitar que a desilução se instale e acabe com os movimentos ágeis nascentes na sua organização, é fundamental reconhecer que adotar métodos ágeis não é apenas tomar uma decisão ou comprar um livro. Adotar métodos ágeis é um processo, que demanda tempo e disciplina. Ao mesmo tempo, podemos observar a nossa maturidade ao longo do caminho, comparar com um modelo de referência, reconhecer as fragilidades e então decidir como avançar.
Modelo de Maturidade para Implantações Ágeis
Boa parte da comunidade ágil não usa modelos de maturidade, que tendem a ser prescritivos e ordernar artificialmente as ações futuras de uma TI. O CMMI é um exemplo deste tipo de modelo prescritivo. Ao mesmo tempo, nem todo modelo de maturidade precisa ser prescritivo. Ele pode ser um modelo de reconhecimento crescente da dinâmica da sua organização e uma capacidade crescente de sentir e responder aos fenômenos e incidentes que lá acontecem.
Neste contexto, apresentamos aqui um modelo de maturidade para aumentar a agilidade no seu trabalho, do seu time e até mesmo da sua empresa. O modelo apresenta os seguintes níveis.
0. Desconhecimento (Ignorância)
1. Reconhecimento da Realidade (Princípios)
2. Práticas Ágeis Nascentes em Indivíduos e Projetos
3. Práticas Ágeis Consistentes em Projetos
4. Agilidade em Escala Organizacional
5. Melhoria Contínua em Escala Organizacional
O nível 0 (Desconhecimento) é ainda dominante na maior parte das empresas. Muitas pessoas trabalham mal, geram resultados ruins, não reconhecem o seu desempenho ruim e reclamam que o problema está sempre lá fora. Frases comuns incluem:
- “A realidade aqui na minha empresa é diferente. Esta teoria não irá funcionar aqui.”
- “Eu trabalho com isso há quase 30 anos. Eu já sei muito bem o que preciso fazer”.
- ” Se você conhecesse o meu chefe, saberia que não posso fazer nada.”
- ”O nosso contrato com o fornecedor nos impede de fazer isso.”
- ”Eu já sou muito eficiente.”
- ”O meu time somente funciona na base da pressão.”
O nível 1 (Reconhecimento) acontece quando pessoas começam a reconhecer que existe algo errado. É como alguém com sobrepeso extremo começar a ter ciência que o seu estilo de vida irá matá-lo em poucos anos. Em métodos ágeis, o reconhecimento se dá através da descontrução das crenças limitantes e percepção que:
- pessoas e interações entre pessoas é o fator crítico de sucesso em projetos;
- responder a mudanças é vital para lidar com o ambiente dinâmico de projetos e organizações;
- buscar colaboração com os clientes e resultados ganha-ganha é mais eficiente que regulações e contratos rígidos;
- entregar produtos em funcionamento em ciclos curtos é um aspecto vital no estabelecimento de confiança com seus clientes internos e externos;
O nível 2 (Práticas Nascentes) acontece quando alguém começa a realizar um experiento em base pessoal ou no seu time. Por exemplo, um desenvolvedor de software começa a fazer “Código Limpo”, que é uma abordagem estruturada para codificar com manutenibilidade, estensibilidade, segurança e reduzidos defeitos. Um outro exemplo é um arquiteto que implanta a prática de “Arquiteturas Evolutivas” no seu trabalho de infraestrutura. Um terceiro exemplo são times que introduzem o conceito de sprints, que são intervalos de tempo fixos usados para construir e demonstrar incrementos de produtos para os seus clientes internos e donos de produto. No nosso exemplo da pessoa com sobrepeso extremo, ela começa a agir e deixa de comer o seu terceiro ou quarto pedaço de pizza antes de dormir. Para avançar para o nível 2, é importante investir em leituras contínuas e um processo enxuto de experimentação (hipótese plausível, experimento curto, análise de resultados e relato das lições aprendidas).
Quando uma organização avança para o nível 3 (Práticas Consistentes), a cultura instalada na organização já reconheceu e aceitou que as novas práticas são melhores e que devem ser mantidas em novos projetos. É como um indivíduo que fumou durante 30 anos, reaprendeu a viver sem nicotina no seu organismo e que agora consegue subir 3 lances de escada sem ficar ofegante. Ele não aceita retornar para o nível de mediocridade que vivia e almeja agora subir 4 ou 5 lances de escada para alcançar o seu escritório e tornar irrelevante o elevador. Em organizações, observamos que este fenômenos em times com alta produtividade, que estabeleceram o seu conjunto de práticas vencedoras e são muito mais produtivos que times similares na mesma organização.
O nível 4 (Agilidade em Escala Organizacional) acontece quando a alta direção incorpora os modelos ágeis como cultura dominante na organização. Este novo organimo agora opera de forma com modelos gerenciais descentralizados com o uso de práticas como por exemplo a Holocracia. A Zappos, que faturou 2 bilhões de dólares em 2014, é um exemplo deste tipo de organização e foi citada em um Revista Forbes – Caso Zappos de 2015 pela revista Forbes. Frederic Laloux, no seu livro – Reinventing Organizations: A Guide to Creating Organizations Inspired by the Next Stage of Human Consciousness – descreve este tipo de maturidade organizacional como Green Companies, em oposição a empresas Red Companies, que representam o clássico modelo “Comando e Controle”.
O nível 5 (Melhoria Contínua) acontece quando uma organização opera em melhoria contínua, com uma cultura contínua de aprendizado. A prática de cada trabalhador se torna o lema Kaizen do Toyota Way – “O meu trabalho é fazer o meu trabalho e melhorar continuamente o meu trabalho”. Aqui as pessoas operam com excelência, que foi trazida por anos da prática da observação, orientação, decisão e análises consistentes.
Observe que este modelo de maturidade não diz quais são as práticas que devem ser adotadas, nem a sua ordem implantação. Mas ele indica que o nível de consciência organizacional e o grau de espalhamento das práticas é que determina maturidade. Iremos abordar estes níveis em detalhes nos próximos artigos e lhe explicar como iniciar essa jornada em nível pessoal e promover esta melhoria para o seu trabalho, os seus times e a sua empresa.
Nível 1 – Reconhecimento (publicado em 08/12/15).
Nível 2 – Práticas Nascentes (publicado em 18/12/15).
Nível 3 – Práticas Consistentes (publicado em 04/01/16).
Nível 4 – Agilidade em Escala Organizacional. (publicado em 14/01/16)
Nível 5 – Em busca da Anti-Fragilidade (publicado em 07/03/16)
Bem-vindo de volta! 🙂
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Obrigado pelo comentário. 😀
Muita coisa bacana para escrever. Critique como sempre 🙂
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