Um sistema ruim sempre derrota pessoas boas

Brasil e Alemenha em 2014 - 7 x1

O dia era 8 de Julho, do ano de 2014. Era uma terça-feira com um céu azul e tempo agradável, como todo fim de outono em Belo Horizonte. Brasil e Alemanha iriam se enfrentar pela semifinal da copa do mundo. Nunca um jogo dessa magnitude havia acontecido na região das alterosas. E por todo o  Brasil havia uma grande expectativa da sua seleção estar em uma final de copa do mundo.

Só que não! A história, contada e recontada, você conhece bem. Não preciso repeti-la aqui.

Avancemos para o dia seguinte. Um vexame esportivo como nunca visto na história Brasileira. Jornais de todo o mundo destacam a excepcional vitória da Alemanha, nunca antes vista em uma semifinal.  E para o brasileiro comum, eu inclusive, restava erguer os dedos e apontar culpados. Afinal, é mais fácil culpar pessoas quando alguma coisa vai mal.

O mito dos heróis e vilões

Tendemos a supervalorizar o talento individual. Acreditamos que as maiores e piores coisas que acontecem são obras de pessoas; iluminadas ou amaldiçoadas. Fazemos isso o tempo todo, culpando aquele jogador, aquele político ou aquele colega de trabalho pelo insucesso das iniciativas que estamos observando ou participando.

Esse pensamento é ingênuo. Muito. E para piorar, somos programados a insistir nessa ingenuidade. Psicólogos já catalogaram esse viés, chamado de Viés de Atribuição. Esse viés cognitivo se refere aos erros sistemáticos cometidos quando as pessoas avaliam ou tentam encontrar razões para seus próprios comportamentos e os dos outros.

Se você corta alguém abruptamente no trânsito, você cria uma justificativa no seu cérebro. Estou atrasado para pegar meu filho na escola. Foi mal.

Mas se alguém faz o mesmo com você duas semanas depois, aquele sujeito é um babaca ignorante sem nenhum escrúpulo e educação. Ele merece morrer empalado em praça pública, sem sombra de dúvida.

O mito dos heróis e vilões nas empresas

Em muitas organizações, é inútil preocupar-se indevidamente com variações entre indivíduos. Tipicamente, a  cultura organizacional, políticas e a liderança tornam irrelevantes as diferenças entre indivíduos.

Por quê? Empresas não “criam” coisas pois elas são seres sencientes. Ao invés, empresas executam, competem e coordenam esforços de muitas pessoas. As empresas mais bem-sucedidas nestas tarefas são aquelas em que o sistema de trabalho é a estrela.

W. Edwards Deming já nos mostrava empiricamente na metade do século XX que a performance das instituições  é dirigida muito mais pelos sistemas de trabalho do que pelo talento individual.  Empresas são sistemas adaptativos complexos. E, em sistemas adaptativos complexos, os resultados são multifatoriais e não são óbvios. Se o fossem, todo empreendedor chefiaria uma Apple, Google ou Amazon nesse exato momento.

O que são sistemas de trabalho?

Vou trazer um relato de um caso que experienciei. Um trabalhador em uma organização era vilanizado por ser alguém que cometia muitos defeitos em suas tarefas. A área de qualidade dessa empresa o satanizava e discussões pesadas aconteciam com a área de engenharia por causa dessa pessoa.

A área de engenharia dessas organização trabalhava com políticas de remuneração variáveis. E essa pessoa, em particular, era premiada por cumprir tarefas no prazo; mesmo que a qualidade não fosse endereçada. Afinal, havia uma área de qualidade para “pegar” os defeitos. Com tais incentivos, ele se adaptou. E realmente o foco dele era apenas a velocidade de entrega das tarefas.

O efeito prático das políticas de otimização local do trabalho e da atribuição de problema para as pessoas contribuiu para que essa empresa tivesse tempos de resposta enormes para as demandas do time do tal garoto enxaqueca. Era um cenário destrutivo e todos perdiam. Um verdadeiro 7×1.

Quando um novo gestor entrou e começou a mudar as engrenagens do sistema (não as pessoas), as políticas foram mudadas e também os sistemas de incentivos. A cultura agora foi mudada de competição local para ganhos globais ou nada feito. Os incentivos financeiros valorizam de forma balanceada a velocidade e fatores de qualidade. Depois de alguns meses, a pessoa que era culpada por tantos defeitos passou a entrega tarefas com índices de qualidade excelente, na visão das outras áreas.

O que houve aqui? O sistema foi ajustado, gradativamente. E ajustes no sistema com políticas corretas ajudam a incentivar bons comportamentos. E bons comportamentos, repetidos em base diária, cultivam culturas de sucesso. E culturas de sucesso criam espaço para que oportunidades aleatórias catapultem organizações para o sucesso.

Como posso criar sistemas de trabalho na minha organização?

  1. Primeiro, combata a sua programação mental ingênua.Quando um erro grave acontecer, você vai querer a cabeça do infeliz que a cometeu. Em uma bandeja de prata. Esse é o seu modo lagarto em ação, tomando o controle mental do seu neocortex cerebral. Ao invés, pare e respire. Faça uma análise das fragilidades do seu sistema de trabalho. Se erros graves então acontecendo, o sistema de trabalho está frágil.Nada é verdadeiramente bom ou ruim, mas o pensamento faz com que o seja, já dizia William Shakespeare.
  2. Combata as fragilidades. E não as pessoas.Examine as políticas em curso, explícitas ou implícitas.  Examine a cultura e o efeito das políticas em curso no comportamento das pessoas. Finalmente, analise os sistemas de incentivos. Realize análises de causa raiz com instrumentos como o processo A3. E descubra com profundidade os fatos geradores dos comportamentos ruins que provocam erros danosos na sua organização.
  3. Mude o sistema de trabalho, um grão de area por dia. 

    Envolva as pessoas nas mudanças e busque atos de liderança. Em base  periódica, introduza mudanças evolucionárias na sua organização. Essas mudanças devem introduzir estressores de melhoria na sua organização e tornar os seus sistemas menos frágeis, resilientes, robustos e eventualmente anti-frágeis.Por exemplo, o Método Kanban possui um amplo catálogo de ideias de melhorias ligada a gestão visual, limitação do trabalho em progresso, políticas explícitas, gestão do fluxo, sistemas de feeback, entre outros. Somado a um mecanismo de mudanças evolucionárias e atos de liderança, ela pode ajudar você na mudança da sua organização para criar agilidade de negócio e mais robustez.Um outro exemplo é a cultura DevOps. Através de práticas evolucionárias de colaboração, automação, medição e gestão de fluxo, ela promove que empresas de TI possam reduzir tempos de entrega, melhorar feedbacks técnicos e promover mais experimentos.

    Um terceiro exemplo é o modelo mental do Management 3.0, que busca operar na energização de pessoas, empoderamento de times, alinhamento de restrições e desenvolvimento de competências em ambientes de gestão complexos.

    Então, pessoas são irrelevantes?

    Lógico que não. O oposto é verdade. Você deve energizar pessoas todo o tempo e de todas as formas possíveis. Fornece-las propósito, autonomia e oportunidades contínuas de desenvolvimento é fundamental para desenvolver e aprimorar os seus sistemas de trabalho.

    Aqui entra o papel da liderança. Quando um líder é fraco e cultiva sistemas de trabalho ruins, a colheita será pífia. Mesmo com pessoas brilhantes.

    Ao invés, se você como líder desenha bons sistemas de trabalho, você abre espaço para o desenvolvimento das pessoas e você terá resultados positivos para a sua gestão e a sua organização.

Os gerentes não são confrontados com problemas independentes entre si, mas com situações dinâmicas que consistem em sistemas complexos de problemas de mudança que interagem entre si. Eu chamo essas situações de bagunça. Os problemas são extraídos das bagunças pela análise. Os gerentes não resolvem problemas, eles gerenciam bagunças, Russel Ackoff

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Um comentário sobre “Um sistema ruim sempre derrota pessoas boas

  1. Isso me lembrou de um causo numa empresa que desenvolvia para mainframe. O desenvolvedor
    X ficava de pernas pro ar quase a semana inteira, e no final de semana trabalhava loucamente
    corrigindo falhas que ele próprio criara com sua atitude desligada. Com isso ele era considerado um herói pelo trabalho fora de horário, é claro, recebia régias horas extras.

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