Resiliência ou Morte

O evento da COVID-19 trouxe estressores fortes para toda a humanidade. E no meio empresarial ele provocou muitas demissões e até mesmo o fechamento de muitas empresas. O segmento de turismo e de aviação, por exemplo, foi brutalmente impactado.

Curioso, entretanto, é que fenômenos como a COVID-19 não são raros na história humana e também das organizações. Há exatamente 100 anos atrás os mesmos debates sobre isolamento social e uso de máscaras se formaram quando a gripe espanhola dizimou milhões de pessoas. Riscos e incertezas, com toda certeza, vão surgir nas próximas décadas com as mais diferentes formas. Sempre foi assim e sempre será assim.  

Quando olhamos para esses fenômenos, podemos classificá-los em três tipos.

Águas Vivas, Elefantes e Cisnes Negros

Uma água viva negra representa eventos ou fenômenos que tem o potencial de se tornarem pós-normais através de escala imensa e instantânea. As águas vivas negras são classificados como desconhecidos conhecidos (Unknowns knowns) — coisas que achamos que conhecemos e entendemos, mas que acabam por ser mais complexas e incertas do que esperamos. Enchentes, crises financeiras e acidentes trágicos são exemplos desses fenômenos.

Temos também um outro tipo de fenômeno chamado de elefantes negros. É um evento que é extremamente provável e amplamente previsto por especialistas, mas as pessoas tentam passá-lo como algo muito exótico (um tipo de Cisne Negro) quando finalmente acontece. Elefantes negros são classificados como conhecidos desconhecidos (Knowns unknowns). A COVID-19 por exemplo, é um tipo de fenômeno como esse. Epidemias e pandemias sempre ocorreram e são previstas por especialistas há décadas e se você fizer uma pesquisa rápida de pandemias na Internet você verá o quanto esse tipo de fenômeno é recorrente na história humana.

Finalmente, temos os cisnes negros, que podem ser negativos ou positivos. São eventos extremamente raros e tem três propriedades básicas.

  • O evento é imprevisível (para o observador)
  • O evento tem ramificações generalizadas
  • Depois que o evento ocorreu, as pessoas afirmam que foi realmente explicável e previsível (viés retrospectivo).

O ataque as torres gêmeas, o surgimento da Internet ou a dissolução da União Soviética são exemplos desse tipo de fenômeno. Esses eventos são chamados de desconhecidos desconhecidos (Unknowns unknowns).

Uma empresa que queira prosperar em tempos de incertezas precisa operar além da agilidade de negócio. Ela precisa ser ágil e também resiliente. A robustez é peça fundamental para você operar nas incertezas – os conhecidos desconhecidos; os desconhecidos conhecidos e os desconhecidos desconhecidos.

Um caso concreto é o das empresas Kodak e Fujifilm. Ambas as empresas faturavam 15 bilhões em 2000. A Kodak faliu e o caso é contato e recontado em prosas empresariais. Já empresa Fujifilm hoje fatura mais de 20 bilhões de reais porque desenvolveu um portifólio diversificado, criou robustez e soube lidar bem com o declínio dos filmes das câmeras analógicas.

Resiliência organizacional deve ser um valor cultural

Julian Birkinshaw, professor de empreendorismo da Business London School, classifica a resiliência organizacional em três níveis (Robustez estratégica, operacional e no nível pessoal).

  • Capacidade de resiliência estratégica da organização para monitorar e responder às mudanças no contexto e permanecer relevante para os clientes.
  • Capacidade de resiliência operacional para manter as operações principais funcionando, desde o fornecimento de produtos e serviços até o financiamento de negócios.
  • Capacidade de resiliência pessoal de funcionários e líderes individuais para suportar circunstâncias difíceis por longos períodos

A tese dele, mais relevante do que nunca, é que a resiliência deve ser um valor e também uma capacidade de negócio da sua organização. Valores definem a cultura. A cultura forma as práticas diárias. E as práticas apropriados para o contexto criam bons resultados de negócio.

Um mapa para a resiliência em organizações

Gosto muito da abordagem do KMM, um modelo de maturidade organizacional baseado no método Kanban. Ele possui princípios inspirados na teoria de antifragilidade de Taleb. Esses princípios permitem que você entenda a maturidade dos serviços de uma organização e introduza estressores apropriados para aquele nível de maturidade. Nem mais nem menos. E junto com mecanismos de reflexão periódicos e atos de liderança o modelo cria um mapa seguro para que serviços empresariais evoluam em uma jornada de fragilidade para a resiliência, robustez e antifragilidade.

O poster em tamanho grande pode ser baixado do sítio em http://www.kanbanmaturitymodel.com


A mensagem é clara. Empresas que querem sobreviver devem se parecer mais com camelos feiosos que sobrevivem em desertos do que com unicórnios fofinhos. Ser resiliente é uma condição essencial a toda organização em tempos pós-normais.

“Difficult to see. Always in motion is the future” , Master Yoda

As 10 práticas de agilidade mais populares do planeta em 2020

Métodos e frameworks ágeis como Scrum, Safe, LESS, DevOps ou Kanban não são atômicos. Eles são compostos por várias práticas de processo. Uma prática é uma estrutura pequena, uma parte do todo. E as partes organizadas em uma coleção ajudam a criar a essência e o comportamento do todo.

Entretanto, um método ágil não é apenas a soma de suas práticas constituintes. Quando examinamos partes e seus coletivos podemos ter arranjos muito interessantes.

  1. Por exemplo, podemos ter partes individualmente estúpidas e coletivos muito inteligentes. A epidemia do CoVid-19 é um exemplo de um organismo coletivo muito inteligente (e perverso) formado a partir de partes individuais estúpidas.
  2. Podemos ter também coletivos inteligentes formados por partes individualmente inteligentes. Por exemplo, uma matilha de orcas caçando um cardume de atuns é um exemplo desse arranjo.
  3. Um outro arranjo são coletivos poucos inteligentes formados por partes inteligentes, como uma carreata de pessoas, individualmente boas, defendendo uma ideologia política dogmática. O mesmo acontece em torcidas organizadas em estádios de garbo e elegância por todo o Brasil.
  4. Finalmente, temos também arranjos coletivos ruins formados por partes individualmente ruins. Se você já tentou fazer bom prato de comida com ingredientes ruins você entendeu a mensagem aqui.

Uma boa prática de processo não irá garantir um bom método (o nosso coletivo de práticas). Mas você não terá um bom método ágil com práticas pouco adaptadas na sua realidade prática. Ou seja, um ponto de partida ainda melhor que métodos quando pensamos em implantações ágeis é o conceito de práticas de processo. Práticas são recombináveis e podem ser experimentadas em virtualmente qualquer ambiente.  Práticas são seguras para falhas pois podem ser facilmente abandonadas se não se mostrarem viáveis.

E, principalmente, práticas são muito mais robustas do que grandes frameworks ágeis inerentes frágeis e que exigem pesados investimentos em treinamentos e reorganização de empresas.

As 10 Práticas de Agilidade Mais Populares em 2020

O Relatório do Estado da Agilidade publicou em 2020 as práticas ágeis mais adotadas por mais de 1100 entrevistados. Os resultados foram:

  1. Reunião Diária – 85% dos entrevistados.
  2. Retrospectivas – 81%
  3. Planejamento de Sprints – 79%
  4. Demonstrações/Revisão de Sprints – 77%
  5. Iterações Curtas – 64%
  6. Kanban – 63%
  7. Estimativas de Time – 60%
  8. Product Owner/Cliente Dedicado – 54%
  9. Planejamento de Releases – 51%
  10. Time integrado (Devs e Testers integrados) – 51%

Algumas interpretações a partir desses dados seguem abaixo.

1.As quatro primeiras práticas estão ligadas a cadências (ou ritos). Cadências formam um tipo de ciclo de feedback fundamental para que sistemas de trabalho possam ser melhorados em ambientes complexos. Muito vezes subestimadas ou tratados com desdém, devemos ter extrema atenção à execução dessas práticas.

Quando facilito essas cadências,  por exemplo, sempre uso um quadro Kanban (prática #6), com o uso da seguinte heurística: foco no trabalho e não nas pessoas. Para a retrospectiva, foco no trabalho entregue na coluna Terminado. Para a reunião diária, sempre pergunto ao quadro o trabalho que está em execução (Work In Progress). E para reuniões de reabastecimentos como o Planejamento de Sprints sempre olho para a coluna de histórias e pronto para iniciar.

2. A prática #5 está ligada a ciclos curtos, também propriedade fundamental de sistemas complexos adaptativos. Times ágeis normalmente trabalham com ciclos entre 1 a 4 semanas. Ciclos menores

3. A prática #6 está ligada a transparência, gestão à vista e gestão de riscos. Quadros Kanban também são um alicerce importante para observar sobrecarga e criar um ambiente de discussão para a introdução de políticas de melhoria.

4. A prática #7 mostra que quase dois terços do mercado ainda definem compromissos baseado em estimativas. É um sinal que existe muita oportunidade de avanço com o uso de elementos mais maduros e robustos que envolvem previsibilidade, métricas de fluxo e o movimento #noestimates. Tenho a esperança que essa prática não apareça mais aqui quando o mercado ganhar mais maturidade.

5. A prática #8 mostra que metade dos times já conseguem ter pontos focais dedicados para interagir com seus clientes. Isso é positivo em minha opinião pois mostra que a interface com áreas clientes está em franca melhoria.

6. A prática #9 exibe que metade dos times estabelecer planos de lançamento no mercado com produtos mínimos viáveis e entregas parciais. Me parece ser um passo de maturidade quando comparamos com abordagens de construção de elefantes em projetos que demoravam muitos anos.

7. Finalmente, a prática #10 mostra esforços de reorganização para a quebra de silos funcionais em metade das organizações. O uso de times multidisciplinares é sem dúvida um facilitador para times operarem e melhorar suas eficiências de fluxo. Vale apenas o ponto de atenção que não é uma receita de bolo que possa ser aplicada em qualquer contexto e não precisar estar no caminho obrigatório de qualquer implantação de agilidade.


Estudar e aplicar práticas é robusto. Quando você combina boas práticas em bons arranjos você poder criar, por emergência sistêmica,  um método muito mais poderoso que as práticas individuais.